Déficit hídrico mundial pode atingir 40% até 2030.

Déficit hídrico mundial pode atingir 40% até 2030.

março 22, 2023 Off Por motoractionbrasil

Indústria, incluindo a geração de energia, é responsável por 19% do consumo de água.

imgRelatório elaborado pelas Nações Unidas estima que o uso global de água doce vai aumentar 1% por ano

Considerada por muitas culturas e religiões um dom divino e pela ciência como essencial à vida, a água – especialmente a doce – no mundo pós-revolução industrial se tornou mercadoria, insumo e ativo. E há quem aponte que uma possível terceira guerra mundial haverá de acontecer por causa dela.

O certo é que, sem ela, economias poderosas fenecem e comunidades inteiras são obrigadas a migrar. Entre os grandes consumidores, as indústrias têm se esforçado para fazer um uso cada vez mais racional e responsável dos recursos hídricos.

Neste 22 de março, Dia Mundial da Água, o DIÁRIO DO COMÉRCIO foi atrás de quem se antecipou a prováveis cenários de escassez e investiu não apenas em tecnologia, mas especialmente em conhecimento e conscientização não para “salvar o planeta” – já que ele, certamente, subsistirá a nós, seres humanos – mas para salvar o próprio negócio e ajudar toda a comunidade a ter uma vida melhor.

Indústrias mineiras investem em melhoria de processos

A preocupação em garantir a qualidade da água é o foco dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) número 6: “Assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todas e todos”, estabelecido pela ONU, a ser alcançado até 2030.  E isso não é à toa.

Dados do Relatório Mundial das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento dos Recursos Hídricos, divulgado em 2021, revelam que o mundo provavelmente vai enfrentar um déficit hídrico global de 40% até 2030 se nada for feito para frear o consumo. A ONU prevê, ainda, que o uso global de água doce vai aumentar 1% a cada ano, acompanhando o crescimento populacional e todas as consequências deste processo.

O documento mostra também que a indústria – incluindo o uso e a geração de energia – é responsável por 19% do uso total de água no planeta, o que faz com que governos e empresas ao redor do mundo trabalhem para encontrar formas de aumentar a produção e o lucro sem que isso traga consequências negativas para o meio ambiente e para a sociedade.

A indústria têxtil está entre as maiores consumidoras de água. O mais recente relatório da consultoria americana Moody’s Investors Service concluiu que a indústria têxtil ocupa o segundo lugar na lista global dos setores que mais consomem água em seus processos, ficando atrás apenas da atividade agrícola. De acordo com o relatório, a indústria da moda utiliza 10% do abastecimento industrial total de água e os têxteis de acabamento são responsáveis por 20% da poluição global da água industrial. Por isso, cuidar para que esse uso seja racional é uma questão de sobrevivência do negócio.

Aos 150 anos, a Cedro Têxtil investe constantemente em melhoria de processos e ações voltadas para o uso adequado da água. Sediada em Belo Horizonte, a empresa tem quatro filiais nas cidades de Sete Lagoas e Caetanópolis (região Central) e Pirapora (Norte de Minas), além da Central de Distribuição, em Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH).

De acordo com o superintendente Industrial da Cedro Têxtil, Patrick Melo Pinheiro, em uma iniciativa inovadora, a Cedro implementou, há 30 anos, uma estação de tratamento de efluentes em Sete Lagoas e o projeto vem se modernizando ao longo dos anos. A água usada no processo de produção do tecido é retirada de um poço artesiano e 40% dela retorna ao processo para reaproveitamento, de diversas formas.

Abreu: precisamos mitigar efeitos de uma possível escassez hídrica | Crédito: Marcus Desimoni / NITRO

Empresas ao redor do mundo utilizam, em média, 91 litros de água para beneficiar um quilo de tecido. Hoje, na Cedro, são necessários 36 litros de água para cada quilo de tecido. A empresa investe em corantes biodegradáveis que permitem lavagens de tecido mais eficientes e, consequentemente, geram menor volume de resíduos e menos poluição.

“Nossa geração cresceu sob a ideia de abundância, de que a água nunca vai faltar. Mas isso mudou. A nossa maior unidade fica às margens do rio São Francisco. A crise hídrica de 2010 foi um grande susto. A Cedro é uma consumidora, diferente de uma empresa que usa e vende a água junto com o produto. A gente usa e devolve a água. Com iniciativas pioneiras, há 30 anos temos uma estação de tratamento de efluentes. A quarta fábrica, que é a maior, só começou a operar depois da estação de tratamento em funcionamento. É um modelo mental consolidado na companhia. Uma empresa de 150 anos tem muita responsabilidade. Temos a certificação ISO 14001 e a nova versão da norma vem de cima para baixo, avaliando o desdobramento do planejamento para o que foi executado”, explica Pinheiro.

Para 2023, o objetivo é aumentar o investimento e tornar os processos mais eficientes e adequados às metas estabelecidas pelos órgãos de certificação ambiental, como o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) e a Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam).

“O melhor tratamento é aquele que não precisei fazer porque não usei a água. Estamos trocando o consumo da água por tecnologia no processo. Mas tudo isso tem custo. Não é qualquer detergente que vou usar, ele tem que ter 85% de biodegrabilidade. Recentemente trocamos o corante do jeans. Para atender os requisitos, o insumo é mais caro. Os grandes magazines têm essa pegada muito forte e puxam o mercado. O desafio é atender todos esses requisitos da sustentabilidade, mas com um custo que não seja maior. A Cedro procura estar à frente desse tempo”, destaca o superintendente Industrial da Cedro Têxtil.

Siderurgia

Outra usuária intensiva de água no processo produtivo é a indústria do aço. E a maior delas no Brasil, a ArcelorMittal, desenvolve diversas ações para o uso racional dos recursos hídricos. Os principais objetivos, além do olhar sustentável para o uso deste recurso natural, são a busca de captação alternativa para antecipar cenários e a preparação para o enfrentamento de futuras crises hídricas.

siderúrgica já implantou em todas as suas unidades de produção o Plano Diretor de Águas, que visa estabelecer estratégias para garantir a disponibilidade dos recursos hídricos, uso eficiente e busca de fontes alternativas para as operações em curto, médio e longo prazos.

Segundo o gerente-geral de Sustentabilidade da ArcelorMittal Brasil, Guilherme Abreu, pensar estrategicamente no recurso hídrico não é apenas racionalizar o consumo e diminuir custos atuais, mas sim ser capaz de prever e mitigar efeitos de uma possível escassez hídrica futura.

“A pergunta é: qual o custo de uma água que você não tem?  Na ArcelorMittal sempre tivemos a questão do uso racional da água como um dos nossos valores. Existem plantas de recirculação de água em todas as nossas operações, com índices acima de 97% de eficiência. Mas precisamos ir além. Em Tubarão (ES), trabalhamos com a dessalinização  da água do mar. É a maior unidade em termos de vazão do Brasil. Tudo para não impactar o recurso  hídrico da região. Vamos trabalhar também com a  água de reúso, fazendo uso industrial de determinadas águas, como de tratamento de esgoto, por exemplo. E, por fim, o uso de águas subterrâneas  de forma complementar”, pontua Abreu.

Outra ação idealizada e em desenvolvimento pelo segmento de Aços Longos da ArcelorMittal para garantir a disponibilidade do recurso hídrico para plantas industriais, é a realização de um estudo inédito no Brasil sobre a “Previsibilidade de Disponibilidade da Água nas Bacias Hidrográficas em que a empresa opera”, tendo em vista os cenários de adaptação que serão necessários para o enfrentamento que Mudança do Clima pode trazer nos próximos.

Em parceria com a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), a pesquisa abrange as unidades de Longos localizadas nos municípios de Barra Mansa e Resende (RJ), Piracicaba (SP) e as mineiras João Monlevade (Vale do Aço) e Juiz de Fora (Zona da Mata).

O estudo também prevê uma plataforma digital que apresente a disponibilidade hídrica real e prognósticos para cenários de 10, 20 e 30 anos, com previsão de conclusão em 2024. Além disso, será realizado um diagnóstico com sugestões de implementação de ações efetivas para diminuir o risco de abastecimento, novas fontes de captação e o uso da água a curto, médio e longo prazo.

“Na crise de 2015, as plantas de Tubarão e de Piracicaba sofreram muito. No Espírito Santo houve uma decisão por parte do poder público de redução da captação de um dia para o outro. Como a questão da água já era prioridade, tínhamos projetos que, por vezes, esbarravam no fator econômico. Depois disso, o jeito era investir. A crise marcou a passagem de  uma abordagem para o futuro para  uma questão de business.  Depois, o plano diretor de águas veio como uma ‘política de estado’ dando segurança ao gestor”, destaca o gerente-geral de Sustentabilidade da ArcelorMittal Brasil.

Torquato: desperdício afeta o orçamento das empresas, mesmo quando elas não percebem | Crédito: Divulgação/T&D Sustentável

Greentech usa tecnologia no combate ao desperdício

Um dos setores em que o uso intensivo e o desperdício de água talvez seja mais visível é a construção civil. Atenta a esse mercado, a T&D Sustentável – greentech do segmento de “Construção Civil e Sustentabilidade  – surgiu, há cinco anos,  com o propósito de desenvolver tecnologias e serviços totalmente focados no combate ao desperdício de água.

startup colocou isso em prática através do seu primeiro serviço criado, o Sistema de Economia de Água (SEA), que oferece um pacote completo de serviços integrados que otimiza o consumo de água, realiza treinamentos de conscientização e boas práticas, gerencia diariamente o consumo e também propõe projetos de eficiência e melhorias, tudo sem a necessidade de investimentos por parte dos clientes, com segurança e sem obras.

Para o cofundador e CEO da T&D Sustentável, Camilo Torquato, além de ser uma preocupação ambiental, o desperdício de água afeta o orçamento das empresas, mesmo quando elas não percebem.

“Com nossas soluções contribuímos também para uma melhoria financeira da organização e, consequentemente, para um futuro melhor. Como a conta de água é mais barata que a de energia, as tecnologias de redução de gasto de energia são mais difundidas. Enquanto a solução de problemas com a água, negligenciada. No início éramos uma base tecnológica e monitoramento. Começamos a criar processos de gerenciamento dos recursos hídricos. Todo o sistema em um modelo de gestão integrado. Quando entramos, o pessoal de manutenção da empresa ganha um novo time, o nosso e nós recebemos sobre a economia gerada”, afirma Torquato.

Com unidade em Juiz de Fora (Zona da Mata), a T&D deve abrir a primeira franqueada em Belo Horizonte até o fim do semestre. Formatada para cidades acima de 250 mil habitantes, uma unidade exige investimentos médios de R$ 140 mil, no modelo home based; e R$ 211 mil, no modelo full.

“No início, nosso intuito era ser uma software as a service (SaaS), mas quando começamos a crescer, vimos que o cliente relaxava em pouco tempo. Inserimos mais serviços e percebemos que era preciso um especialista mais próximo para manter o nível de performance. Por isso escolhemos o franchising como modelo de expansão. O franqueado é o especialista que fica perto do cliente, que não o deixa relaxar”, avalia o cofundador e CEO da T&D Sustentável.

Por: Ana Ferreira