Carros elétricos vão matar mais de 500 mil empregos na Europa.
dezembro 13, 2021Associação Europeia alerta sobre a transição dos carros à combustão para os modelos 100% elétricos e seus reflexos na cadeia produtiva.
A crescente expansão dos carros elétricos, também prevista pelo novo pacote climático “Fit for 55” proposto pela Comissão Europeia para atingir os objetivos do Acordo Verde (que busca reduzir as emissões de gases do efeito estufa em pelo menos 55% até 2030), coloca em risco meio milhão de empregos na indústria automotiva.
Todo esse alarde foi dado pela Clepa, Associação Europeia de Fornecedores Automotivos, que estima que 501 mil empregos hoje ativos na produção de componentes de motores de combustão interna poderiam ser perdidos até 2040. O que mais preocupa é a velocidade com que esses empregos devem desaparecer: em cinco anos (2030-2035), a previsão é que 70% deles (359 mil pessoas) serão considerados obsoletos. Mas vamos em ordem, porque a questão é muito mais complexa do que poderia parecer à primeira vista, pois junto dos empregos perdidos também poderiam existir novos, diferente do que acontecia antigamente.
Três cenários, três problemas diferentes para a indústria automobilística
O cálculo da associação, baseado em um cenário hipotético intermediário onde os padrões europeus favorecerão a produção apenas de carros elétricos, híbridos e alinhados a norma Euro 7 até 2035, também estima a criação de 226 mil novos empregos na produção de componentes de carros elétricos com o surgimento de uma indústria de baterias na Europa.
Assim, o saldo final estimado pelos fabricantes europeus de componentes é uma perda líquida de 275 mil empregos até 2040 (501.000-226.000), ou 43% do número atual de empregados na indústria de peças e suprimentos para automóveis.
Há também outros cenários avaliados pelo mesmo estudo. O primeiro deles prevê um futuro mercado diverso com a presença de carros convencionais, híbridos-leves, híbridos e elétricos, enquanto o segundo cogita uma realidade em que os carros à combustão interna serão forçados a acabar. No primeiro caso, o número de empregos em risco cairia para 4 mil, enquanto que no segundo, onde o estudo aponta como “não sustentável para toda a indústria e sociedade”, o número de postos de trabalho reduzidos chegaria a 364 mil durante um período de cinco anos (2025-2030).
E a Itália?
O problema levantado pela Clepa diz respeito especialmente à indústria de componentes, que não teria a mesma capacidade e agilidade (nem acesso ao capital) das montadoras para compensar a mudança de atividades imposta pela transição energética. Outro ponto também é que centenas de pequenas e médias empresas estão vinculadas a contratos de longo prazo com os mesmos grupos automotivos.
De acordo com a associação, os possíveis efeitos negativos do Acordo Verde na produção de automóveis poderiam ser sentidos nos sete maiores países produtores de peças para automóveis, que são Alemanha, Espanha, França, Itália, República Tcheca, Polônia e Romênia. Em contraste, os países da Europa Central e Oriental continuarão mais ligados à produção de carros tradicionais com motores de combustão interna. Em particular, o setor de peças automotivas na Itália veria sua força de trabalho ser reduzida de 74 mil para 15 mil (2020-2040) no cenário intermediário, com uma perda de 79,7%.
A Anfia, Associação Nacional da Indústria Automóvel da Itália, acrescenta nas palavras de seu vice-presidente Marco Stella:
“A cadeia de fornecimento de componentes na Itália tem hoje um peso econômico e de emprego significativo, considerando que os produtos deste setor são exportados e apreciados em todo o mundo – a balança comercial é positiva por cerca de 5,5 bilhões de euros por ano. A cadeia de abastecimento italiana e europeia é altamente integrada internacionalmente, uma característica que a abordagem europeia para descarbonizar a mobilidade deve levar em conta, lembrando a importância estratégica de defender a competitividade do setor para o futuro de nossa indústria e, em última instância, de nossas economias”.
“Apoiar os fabricantes de componentes na Itália para enfrentar a transição para a mobilidade com emissão zero também significa compreender as dificuldades atuais de cerca de 30 deles, que ainda estão concentrados nas tecnologias de motores de combustão interna. No geral, são formados por microempresas (PMEs) que representam a maioria do setor, mas que têm dificuldades em assumir grandes investimentos em poucos anos”.
Não apenas carros elétricos
O mesmo estudo encomendado pela Clepa a Pwc Strategy vê como essencial a criação de uma cadeia de produção de baterias para automóveis europeus, mas isso exigirá competências distintas em diferentes distritos de produção, afetando pequenos e médios produtores locais. Estudos anteriores da associação Clepa também destacaram o fato de que os novas vagas de emprego na área de produção de baterias serão voltados principalmente para trabalhadores com diploma de nível médio ou superior, e menos para os profissionais que montam motores de automóveis atualmente.
Sigrid de Vries, secretária geral da associação Clepa, comentou sobre os resultados da pesquisa e as possíveis soluções:
“Uma abordagem aberta e tecnológica deve incluir uma eletrificação rápida com energia limpa e renovável, combinada com combustão limpa e combustíveis sintéticos sustentáveis. Existem outras soluções além de zero emissões de escape e precisamos reconhecer o papel que combustíveis neutros para o clima podem desempenhar na redução de emissões, mantendo a diversidade de escolha dos clientes e apoiando a competitividade global da Europa. A tecnologia não é o inimigo, mas sim os combustíveis fósseis, e um avanço tecnológico será a chave para uma transição justa”.
Alguns pensam diferente
Vale a pena relembrar o que a Comissão Europeia disse no lançamento da Aliança Europeia de Baterias, principal projeto para uma cadeia de valor continental que poderia fazer da Europa líder global na produção e uso sustentável de baterias para carros elétricos.
Desde 2017, a União Europeia lançou um plano estratégico envolvendo estados e indústrias do velho continente, enquanto que em 2020 lançou a Automotive Skills Alliance, programa que pretende dar apoio a iniciativas nacionais e regionais para a requalificação e reciclagem de trabalhadores da indústria automobilística, assim fazendo uma transição ecológica, digital e duradoura. Para atingir o objetivo, já foram lançados os projetos Albatts, Cosme e Drives.
A previsão da Platform for Electromobility, grupo formado por organizações e empresas que promove a mobilidade elétrica nas instituições europeias e nos estados membros, é oposta ao da Clepa. De acordo com um estudo encomendado pela associação ao Boston Consulting Group, o equilíbrio entre vagas perdidas e novos empregos será neutro mesmo com a transição para a eletricidade, com uma manutenção substancial do número de trabalhadores no setor automobilístico de cerca de 5,6 milhões empregados de 2020 a 2030.
O que terá que mudar mesmo é a especialização dos trabalhadores, que deverá ser incluída em um sistema de requalificação de competências que não deverá deixar para trás nenhum dos trabalhadores envolvidos na cadeia produtiva. A medida é fundamental para superar essa difícil fase de transição e, como aponta também a Platform for Electromobility, tudo necessitará de uma estreita cooperação entre a indústria e a política.